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O Livro de Pantagruel. Esta é a minha bíblia culinária e dispensa apresentações: deve ser a Bíblia culinária de quase todas as portuguesas de diversas gerações! Alguns destes exemplares já devem, inclusive, ter passado de mães para filhas, várias vezes desde que foi editado pela primeira vez. Escrito pela cantora lírica Berta Rosa Limpo, é um excelente exemplo do tempo em que os livros de cozinha que eram da autoria de bons cozinheiros amadores.
“Mas afinal ela é cantora ou cozinheira? Compõe músicas ou refogados? Pois podem crer que faço ambas as coisas com o mesmo entusiasmo.”
Berta Rosa Limpo
No tempo em que o segredo profissional dos grandes chefs era a alma do seu negócio, eram as boas cozinheiras amadoras que se dedicavam a escrever livros básicos para quem quer aprender a cozinhar!
Muito mudou até hoje e, no que diz respeito ao Livro de Pantagruel, desde 1946 que já foram editadas 73 edições daquela que é considerada a maior obra de culinária em língua portuguesa. As edições mais recentes contam com a reavaliação de ambos os filhos de Berta Rosa Limpo e 5000 receitas testadas.
Creio que muitos de nós guardam uma imagem infantil deste livro: aquele que parecia tão grosso que achávamos ser impossível de ler mas que entre mães e avós parecia conter uma enorme quantidade de sabedoria e credibilidade. Era um livro sério, algo misterioso. Tão sério como uma boa enciclopédia, como um livro de feitiços, de magias, que ensinavam as mãos de todas as senhoras a cozinhar as coisas mais maravilhosas!
E a verdade é que o Livro de Pantagruel é, tal e qual nos lembramos, um livro intenso: aliás, como se queria de um livro naquele tempo. Um livro que ensinasse a cozinhar desde os processos mais simples às receitas internacionais mais complexas. Desde os licores (foi aqui que encontrei a receita base para o meu licor de menta), ao pão, aos assados e aos cocktails! Este livro contaram recolha intensa de 5000 receitas densamente apresentadas mas carinhosamente escritas. A apresentação pouco se alterou desde a primeira edição, os termos parecem ter saído do discurso das nossas avós e são muitas vezes intercalados com pequenos versos ou citações de autores como Eça de Queiroz ou Fernando Pessoa. Ficamos logo a saber que estamos perante um livro sério, escrito por quem sabe, por quem fez e testou, vezes sem conta, e quis disponibilizar ao mundo os segredos, não de um chef de alta cozinha, mas de um cozinheiro caseiro. Contudo não podemos esconder que são inúmeros os chefs profissionais que o utilizam e o reconhecem como um livro insubstituível em pequenas e grandes bibliotecas culinárias!
The “Livro do Pantagruel”. This is my cooking bible and, in Portugal, it doesn’t need any kind of presentations: it is probably the cooking bible of almost all Portuguese of several generations! Some of the copies of this book have passed from mothers to daughters, several times since it was first published in 1946. Written by the lyrical singer Berta Rosa Limpo, it is an excellent example of the time in which cookbooks were written by good amateur cooks.
“But is she a singer or a cook after all? Does she makes music or food? You must believe that I do both with the same enthusiasm.”
Berta Rosa Limpo
At a time when the professional secret of the great chefs was the lifeblood of their business, amateur cooks were the ones that dedicated themselves to writing basic books for anyone who wants to learn how to cook!
Much has changed until today and, as far as the “Livro de Pantagruel” is concerned, since 1946, 73 editions have been edited of what is considered the greatest written work about cooking in Portuguese language. The most recent editions are reviewed by both Berta’s children and already have 5000 tested recipes.
I think many of Portuguese have a childish picture of this book: the one in our grandmother’s bookshelf that looked so thick we thought it was impossible to read it in a lifetime, but that also seemed to contain an enormous amount of wisdom and credibility. It was a serious book, something mysterious. As serious as a good encyclopedia, or a book of spells which taught the hands of all the ladies to cook the most wonderful things!
And the truth is that the “Livro de Pantagruel” is, as we recall, an intense book in fact, as expected from a book at that time. A book that taught cooking from the simplest processes to the most complex international recipes. From liqueurs (this is where I found the base recipe for my mint liqueur), bread, baked goods and cocktails! This book features an intense collection of 5000 densely presented, but lovingly written, recipes. The presentation has hardly changed since the first edition, the terms seem to have come out of the discourse of our grandmothers and are often interspersed with small verses or quotes from authors such as Eça de Queiroz or Fernando Pessoa. We soon learn that we are dealing with a serious book, written by someone who really knows about cooking at home. Someone who has done and tested her recipes over and over again and who wanted to make her secrets available to the world, not from a gourmet restaurant point of view, but from a homemade kitchen. However we can not hide that there are countless professional chefs who use it and recognize it as an irreplaceable book in small and large culinary libraries!
8 Comments
Olá sou uma pessoa com muito gosto na cozinha, recebi neste Natal o livro Pantagruel ( adorei) contudo parece que as receitas não menciona a duração dos cozinhados. É mesmo assim ou provavelmente escapou-me esta informação ?
Olá Ricardo! É mesmo assim. Temo que na altura em que foi escrito, a preocupação com o tempo era outra e injustificada. Hoje queremos ser mais céleres pelo que os livros começaram a incluir esta informação. O Pantagruel é um livro de cozinha tradicional pelo que será mais simples pensar que é “slow cooking” 😉
Mas… de onde vem o título da obra, “Pantagruel”? Alguma ideia?
Caro Ovídio, penso que o motivo se prende com o nome do herói do primeiro romance de François Rabelais, o gigante Pantagruel: filho do gigante Gargântua e de sua mulher Badebec e que é conhecido por ser um alegre e glutão. Destaca-se desde a infância pela sua força descomunal unicamente superada pelo seu apetite! 🙂
Muito boa tarde posso aproveitar para pedir um favor? estou a estudar as ilustrações presentes no Prefácio da 1ª edição, ao longo dos anos, e posso perdir-lhe para me enviar por email foto da 4ª página do prefàcio, ou seja, a penúltima do seu Pantagruel? Ficar-lhe-ia muito grata. Anabela Ferreira: anabela.ferreira@unibo.it
Olá Anabela! Estive alguns meses em “sabática” do blog mas estou de volta. Posso enviar-lhe por e-mail esta informação se ainda for útil?
Olá Eunice. Eu tenho este livro e uso de vez em quando, mas confesso que a sua estrutura é intimidante.
Qual é o processo correcto de navegar o livro e encontrar o que se procura? É algo que todos improvisam, ou há uma técnica estabelecida?
Por exemplo, não consigo encontrar biscoitos húngaros em lado nenhum, mas acharia estranho que um biscoito tão famoso e simples não constasse.
Tem toda a razão Gui! A estrutura é muito intimidante. Agrada-me que seja um repositório, e é assim que o vejo. A minha abordagem tem sido a seguinte: de vez em quando pego nele apenas para folhear. Está na minha cozinha certo da máquina de café. Dedico-me por exemplo a uma secção em que tenha curiosidade durante o tempo que tiver. Quase sempre encontro um prato conhecido que não sei fazer e exploro um pouco. Se me mantiver interessada analiso a receita e estudo-a bem tirando notas antes de a fazer (não é o livro mais fácil de seguir enquanto estamos na cozinha). Outra abordagem é tentar procurar pratos de que a minha mãe ou avó falam. Normalmente a cozinha mais tradicional está cheia de segredos e eu gosto de comparar com a maneira “oficial” a que o livro remete.