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O Caminho é algo muito pessoal… e há certas coisas que ainda não sei bem como abordar aqui. Algumas nem sei como prendê-las à memória tão pouco! Mas estou a fazer um esforço, porque esta foi uma experiência que não quero esquecer. E acho que a partir de agora farei alguns posts espalhados no tempo com diversos temas relacionadas com as minhas experiências no Caminho assim como alguns outros posts práticos que complementem aquilo que já é possível encontrar na internet. No entanto, antes deste mês terminar (este mês foi dedicado ao Caminho, quer na sua vertente mais conceptual, como em projectos handmade como este, este e este), não queria deixar de partilhar convosco uma perspectiva geral da minha experiência. É um post longo por isso façam-se acompanhar de uma boa chávena de chá!
Quando abordei a questão das expectativas aqui fiquei a pensar… “e se não acontecer nada? E se eu for, voltar e não absorver nada? E se eu não voltar uma peregrina? E se eu nem sequer lá chegar?” Nesse momento tive de voltar a ler o meu próprio post e fechar novamente a minha mente para expectativas. Agora que voltei sei que há duas verdades aqui. Uma é que ninguém, ninguém mesmo, vem embora de mãos vazias. A segunda é que aquilo que recebemos depende mais de nós do que de qualquer outra coisa. Mesmo a maior aventura pode tornar-se insignificante se não estivermos disponíveis… e por outro lado, a coisa mais simples do mundo pode deixar-nos emocionados e ficar desenhada a tinta no nosso coração. Para isso acontecer não podemos simplesmente ir como quem vai trabalhar todos os dias, protegidos com as nossas piadas, as nossas estratégias sociais. Assim como não dá para levar tudo na mochila, connosco também não devemos levar tudo. Basta levar os sentidos, não recomendo levar mais nada.
E sob esta perspectiva posso dizer que, a mim, o Caminho fez acontecer muita coisa apesar de ter sido um percurso absolutamente normal: eu não dormi à luz das estrelas porque tive sempre um bom lugar no albergue (e há muitos albergues disponíveis ao longo do percurso), não tive nenhum dia de sol radiante de Verão (apanhamos alguma chuva e houve um dia em que choveu quase todo o percurso), não dava para ficar sozinha por muito tempo (ninguém faz o Caminho sozinho), o Caminho não é feito completamente no meio da natureza (nem tão pouco contempla as paisagens mais bonitas que já vi). Por outro lado, não tive uma única bolha durante todo o Caminho e, à parte as pernas doridas de cansaço ao fim do dia, não fiz nenhuma lesão que me obrigasse a ter o espírito de promessa ou de sacrifício com que muitos peregrinos viajam. E dormi muitíssimo bem. Mas então, o que há no Caminho? Porque é que eu também não trocava isto por nada? Porque é que quero voltar? Porque razão começava outra vez, já hoje?
E a razão é muito simples: perspectiva. Correndo o risco de alguns de vocês pararem de ler já, eu assumo que as tarefas de um peregrino ao longo de um dia são as seguintes: acordar, caminhar, comer e dormir. Acontecem mais coisas, é certo! Mas estas são “as tarefas”. E parece impossível como nós, grandes senhores do conhecimento, da tecnologia, das teorias de tudo, do poder, da sabedoria, do controlo… de repente, nos apercebemos que temos como maiores objectivos diários: acordar, caminhar, comer e dormir. E a magia começa precisamente aí…
Tal como escrevi no post acerca das expectativas, o Caminho é facilitador em deixar cair tudo. Nenhum de nós fica preocupado com mais nada enquanto tiver fome, sede, frio, sono, cansaço e uma enorme vontade de ir à casa de banho. São as prioridades biológicas que fazem de nós um ser vivo igual a qualquer outro. Esse regresso ao básico, ao contacto, a evidência de que fazemos parte da natureza e de que somos iguais entre nós, é uma sensação agradável, ao contrário daquilo que possam pensar. É como regressar ao ventre da mãe. As tarefas essenciais trazem-nos a sensação de estarmos sob controlo da nossa própria sobrevivência, de sermos autónomos, de sermos capazes e de que temos tudo o que precisamos à nossa disposição assim que nascemos.
Não me lembro de me sentir tão bem comigo como naqueles dias e, no entanto, eu achava que ia ficar lesionada, com dores nas costas e ombros ou que não seria capaz de chegar ao fim. Não me lembro de dormir tão bem desde há anos, sim, num quarto com mais 50 pessoas das quais algumas ressonam. Não me lembro de ser tão eficiente com tão pouco. Não me lembro de alguma vez levitar com tanto peso às costas. E tudo porque as tarefas que tinha à minha frente eram simples e definidas. À medida que o tempo passava mais convencida eu ficava de que era capaz de as fazer.
O meu despertador tocava pelas 5h30 e eu não me queria voltar para o outro lado apesar das pernas doridas. Deixava-me ficar ali, de olhos abertos durante 2 minutos, no silêncio. No meu interior havia música com acordes ternos, confortáveis e uma orquestração singela. Depois levantava-me e seguia o silêncio dos outros peregrinos. O respeito por quem ainda dorme é algo muito interessante. Quase toda a gente evita o duche matinal (tomando um bom duche antes de deitar), todos deixam as coisas organizadas no dia anterior, são o mais resumidos possível na casa de banho e depois de trocarem de roupa todos pegam na sua tralha e vão fazer a mochila para as zonas comuns de forma a não incomodar ninguém. Raramente regressam ao dormitório.
Saíamos pelas 6h e, antes de nós, geralmente apenas dois ou três peregrinos (que habitualmente seguiam sozinhos) já tinham saído. Ainda havia noite durante aproximadamente uma hora e, por vezes, estávamos um bom pedaço no meio do nada, apenas com a luz das lanternas para nos guiar. Há quem diga que se corre o risco de se perder alguma parte do Caminho por causa disso… Da minha perspectiva, penso que ganhei das coisas mais bonitas que me aconteceram em todo o percurso. Quando nos aventurávamos pelo mato e olhávamos o céu estrelado, víamos estrelas que não estavam lá na noite anterior… e que só voltaríamos a ver no inverno. O ar é tão mais limpo, o nascer do sol traz um encanto tremendo a tudo o que se vê, devolve a temperatura e parece que sentimos cada um dos raios de sol a bater-nos na pele, como uma carícia. Vaguear pelas aldeias ao amanhecer era das experiências diárias mais bonitas. Todas as aldeias pareciam de brincar. E nós éramos como os seus guardas, seus veladores. Como quem rende o turno ao João Pestana. A luz que então começava a inundar os espaços desvendava surpresas escondidas nas sombras, como se fossem presentes. A paz e o frio na cara contrastavam com a entrada num café para tomar o pequeno almoço quente, com o pão e os croissants acabados de chegar e um primeiro carimbo na credencial que fazia o ruído que lembrava o compromisso e a rotina.
Depois do sol nascer a névoa ainda presa ao chão demorava-se como quem não quer levantar-se, deixando a paisagem menos terrena, menos dura…
Em muitos locais, as igrejas, conventos e mosteiros abrem pelas 7h e as suas portas abertas têm um significado maior porque parecem chamar, acolher, receber com um respeito calado, contido mas responsável. Muitas delas abrem por causa dos peregrinos. É um esforço que reconhecemos e agradecemos! Lembro-me de assistir pelas grades de um convento a um momento da primeira missa do dia. As vozes das freiras ouvidas da rua e o movimento ponderado do padre que recolhia a comunhão, pareciam anunciar o milagre da luz. E esse momento era partilhado com um sorriso de outros peregrinos curiosos que naturalmente também se deixavam cativar pelo chamamento.
O tempo foi outra surpresa. Não houve grandes dias de calor, embora a alvorada já fosse feita de t-shirt. E a chuva que apareceu duas ou três vezes, tinha um quê de natural em mim e com o qual eu não precisava de lutar, apenas desfrutar. Se incomodava ter de andar com ponchos e ter calor? Sim, lembro-me de qualquer coisa… Ou ficar com os óculos embaciados ou molhados? Dizem que sim… Mas as primeiras gotas a tocar-os a testa têm a temperatura de uma benção divina e dão aos bosques um encanto que nenhum de nós, num dia de chuva, escolhe ir conhecer. E as nuvens perfuradas pelo sol, sobretudo quando a chuva acaba, dão à paisagem aquela luz eterna, perfeita para pintar ou fotografar… mas sobretudo para apreciar.
Quase todos os dias há um bosque, uma floresta ou uma reserva natural para atravessar. São momentos mágicos que fazem lembrar os trilhos pedestres que podemos encontrar em todo o lado, perto de casa até! A diferença é que, naquele caso, nós não vamos para os ver… mal sabíamos que estavam ali. Estamos apenas de passagem… e isso faz-nos surpreender ainda mais com aquilo que encontramos. Na alvorada, os coelhos de rabo branco a fugir à nossa passagem. As aves nocturnas a piar. Os piscos que se atrevem mais e se aproximam. As borboletas que nos desviam dos pensamentos, o cheiro acre da raposa que vive ali perto e respeita a nossa jornada… “Esta é a nossa casa”, pensava eu sempre que atravessava um local assim. “E não há lugar como este!” Sentia-me cheia e soube ali mesmo que eu fico melhor no meio da natureza e que essa é uma experiência que engrandece corações.
Pelo caminho passávamos por outros peregrinos que iam ficando para trás, que nos ultrapassavam, que faziam um ou dois quilómetros ao nosso lado ou que iam simplesmente cruzando o nosso caminho. “Buen Camino!” era dito com alegria e quase sempre era acompanhado de um sorriso cúmplice e de algum interesse: uns falam mais, outros menos, alguns procuram saber se estamos bem, outros comentam o seu percurso. Porque é que não fazemos isto mais vezes? Ficamos até impressionados com os peregrinos que passam por nós: um rapaz irlandês que se junta a um grupo de portugueses vindos de Ponte de Lima, a Káká que não queremos acreditar que fizera aquele percurso no mato, em plena noite, completamente sozinha! O Vitor que nos quis acompanhar na última etapa. Aquela menina envergonhada que ultrapassávamos sempre e que já sorria quando nos ouvia ao longe, aproximar.
E era quando a luz começa a avançar, a ficar mais alta, a ficar conhecida, que começávamos a aproximar-nos do destino. Por vezes pelas 10h30 já tínhamos terminado, chegando ao albergue que nessa altura começava a acumular as mochilas, umas atrás das outras para marcar o lugar. Agora era apenas aguardar a abertura por volta das… 13h!! Oh! A primeira vez que aconteceu a sensação foi de… “oh… a sério que ainda temos tanto que esperar?” Mas a verdade é que este tempo é um tempo muito interessante, passa a correr e obriga-nos a parar. A primeira coisa é o pousar da mochila no carreirinho que começa a formar-se. É ver quem já chegou e perguntar por alguém que falta. É assim que começamos a conhecer pessoas, é assim que partilhamos com elas os primeiros momentos de descanso. É com elas que relembramos os desafios do Caminho. É neste momento, depois de termos recebido o milagre do mundo, que está nas nossas mãos fazer milagres. Foi nestes bocadinhos que conhecemos: um peregrino português vindo do Porto que já fizera o caminho umas 20 vezes (e este não era o último); uma peregrina brasileira a viver no Porto que tem uma história de vida marcante; um grupo de seis amigas britânicas que apesar de partirem mais tarde, quase sempre nos ultrapassavam apresentando uma resistência extraordinária ao cansaço, ao peso das mochilas (que deviam pesar o dobro da minha) e às dores das lesões (entre bolhas nos pés e problemas nos joelhos, havia um pouco de tudo); o Paul, um peregrino Canadiano de bicicleta, que estava a fazer o percurso inverso, em direcção a Fátima, que seguiria depois para Lisboa onde se encontraria com outros amigos e doaria a sua bicicleta a uma instituição de caridade antes de voltar para o Canadá; o casal de mexicanos que fazia Yoga no fim de cada etapa; o casal de espanhóis com idade já avançada que tinha acumulado uma grande diversidade de caminhos para Santiago e discutia connosco a sua opinião acerca do pedómetro que tínhamos trazido para o Caminho; os dois rapazes espanhóis que me pareciam especialmente reservados até finalmente partilharem a cozinha com toda a gente em Padrón; a menina eslovena, assistente social a trabalhar com meninos ciganos, que conheci enquanto esperava pela minha vez de tomar banho; o grupo de polacos que, sem saber falar sequer inglês, me queria pagar os sacos que comprei e ofereci para proteger as mochilas da chuva à porta do albergue; um peregrino com uma prótese numa das pernas que já vinha a terminar o Caminho Francês; o grupo de portugueses vindos de Caminha que nos recomendaram bons locais para almoçar em Santiago.
Quando a porta do albergue se abre, nós já não somos mais pessoas individuais. Depois daquele “aquecimento”, somos um grupo organizado que se cuida mutuamente. Não há filas para quase nada porque cada um tem o seu ritmo, não há pressas nem horários e portanto não há pressões. Há tempo! Não há barulho excessivo porque há sempre quem queira descansar. Todos rimos das mesmas piadas, todos temos as mesmas estratégias para fazer a cama e desmantelar a mochila. E entre passeios de fim de tarde para conhecer as vilas, jantar, uma pausa para escrever (prometo escrever um post apenas acerca deste tema) e ficar um pouco a conversar, vamos cruzando o nosso dia com as mesmas pessoas e, estejamos onde estivermos, vamos sempre encontrar alguém conhecido. Há peregrinos que leem (geralmente livros de bolso, mais do que isso não é boa ideia), há peregrinos que escrevem, que desenham, que escrevem postais e colam os selos com mestria e calma. Há aqueles que se perdem em telefonemas para a família, que estudam a próxima etapa ou que aproveitam o wi-fi. Há voluntários que vêm prestar serviços como ler ou massajar os pés dos peregrinos mais lesionados. Estes momentos são mesmo muito especiais.
Mas as nove ou dez da noite chegam e toda a gente começa a recolher-se, como uma família. Tal como na manhã o silêncio é respeitado. Sabem aquelas reuniões ou sessões de teatro em que alguém é praticamente fulminado por não ter tirado o som do telefone? Nunca ouvi um telemóvel tocar nas camaratas. Sabem aquela ideia de haver uma orquestra de pessoas a ressonar à nossa volta? Por incrível que pareça, não há assim tanta gente a ressonar… pelo menos até o cansaço nos levar e fecharmos os olhos, daí que os peregrinos tenham, entre si, hábitos e horários muito semelhantes. A noite é calma, pouco sabemos do que se passa no mundo porque por uma ou duas (ou até mais) semanas o tempo é para nós e para aqueles com quem partilhamos o Caminho. As janelas ficam quase sempre abertas ou encostadas e os ruídos da noite embalam-nos…
Uma noite estava deitada na cama a olhar pela janela ao meu lado à espera de adormecer… olhei em volta e não era única, todos procuramos algo que nos embale como qualquer bebé no berço. Nunca acordei a meio da noite (a não ser quando uma peregrina caiu abaixo da cama, um episódio sem consequências e que nos fez rir a todos no fim!), nunca tive sonhos maus, nunca acordei ansiosa ou com o coração a bater… Dormi tranquila porque não havia muito que pudesse correr mal: eu estava ali, juntamente com mais 30 ou até 50 peregrinos exactamente com os mesmos objectivos, os mesmos receios e constrangimentos. Sentia que podia pedir ajuda porque eu mesma estava absolutamente disponível para ajudar. Deixei até de me preocupar com as minhas coisas porque eu não tinha levado muito, não tinha levado sequer nada que não pudesse repor. As únicas coisas com que me preocupava eram os meus documentos e o telefone: os únicos objectos de valor monetário que levava comigo. O que importava estava dentro de mim… Tudo o resto era simples e toda a gente tinha igual… No Caminho somos todos iguais. O resto, a mochila, passou a ter sim, à medida que o tempo passava, um valor sentimental.
Os dias eram passados mais ou menos com este ritmo. Todos, com a excepção do último. Quando deixei o albergue em Padrón na última noite no Caminho, olhei para trás e pensei que aquelas experiências tinham terminado… e eu já me sentia nostálgica. De todos os dias, o último foi o que menos gostei e responsabilizo o facto de, a partir do momento em que me levantei, já ter terminado uma grande parte das minhas experiências. Tudo o que descrevi atrás já não se ia repetir. É o primeiro regresso à realidade. O equilíbrio entre isso e a chegada a Santiago é algo muito frágil.
A chegada porém é algo extremamente especial. Confesso que o momento em que chegamos à cidade é estranho. Aquela zona da cidade tem bastante gente: entre peregrinos e turistas, é confuso caminhar ao mesmo ritmo. É uma pequena quebra. Mas a chegada à praça do Obradoiro em si não é apenas um momento… porque é tudo o que começa a cair sobre nós depois de chegarmos que faz a diferença. Sentar no chão e parar para ver a chegada de outros peregrinos pode deixar-nos tão ou mais felizes do que a nossa própria chegada. O reencontrar de peregrinos que estiveram connosco ao longo da semana faz-nos sentir que estávamos a formar uma família. Reparar no ambiente deixa-nos em silêncio: o que mais gostei da praça do Obradoiro foi o facto de ser um espaço feliz (ao contrário do que muitas vezes sinto quando estou no Santuário de Fátima por exemplo em que o ambiente por vezes é um pouco pesado e eu preciso de fazer um esforço…). Seja qual for a razão que leva as pessoas ali: promessa, doença, saudade, morte, desporto, descoberta, missão, etc, aquela é uma praça feliz, as pessoas sorriem ao chegar, abraçam-se ao chegar, choram… de alegria! E isso é tão, tão bonito! Faz de Santiago de Compostela um verdadeiro encontro com o que há de mais divino em nós. É a felicidade pelas coisas simples. E isso fica patente em tudo o que vemos.
Apercebi-me de que mesmo aqueles que não têm razões religiosas recebem a missa do peregrino como “um banquete” de um hospitaleiro que dá o melhor que tem e que sabe: a missa é leve, voltada para aqueles que fazem o Caminho, há sorrisos e as palavras são simples. As formalidades parecem mais relaxadas porque todos os que lá estão sabem que são apenas isso, formalidades! É bom sentar no chão como as crianças que ouvem uma história. O que vale ali é o movimento, os aromas, a música, os rituais, as palavras que nos tocam sempre. E se temos a sorte de receber a benção do “bota fumeiro” sabemos que o tamanho daquele incensário é apenas uma tentativa do homem de representar o amor. E sabemos que, naquele momento, só representa uma pequena porção do tamanho dos nossos corações.
O regresso é duro. Nós tivemos a sorte de termos sido recebidos em Santiago por um grupo de amigos (os melhores do mundo, claro) que decidiu vir ter connosco e levar-nos para casa. Este aspecto ajudou a manter durante mais tempo aquela bolha de sonho com que se fica quando uma experiência marcante termina. É para isso que servem os amigos, não é? Para nos manterem nessa bolha e nos mostrarem que podemos fazer tudo, porque nunca iremos cair.
O que sobra da experiência é difícil manter quando regressamos e vemos que tudo, em casa, ficou igual. Nada mudou, só nós. Numa fase inicial, como um de nós referiu, parece que estamos numa realidade alternativa. Vamos dormir e faltam-nos os outros peregrinos. Não há motivo para ver o sol nascer… regressar ao trabalho parece algo absurdo. É a rotina que nos volta a trazer à realidade. E aqui é que entra a parte mais importante: seleccionar, reflectir, para manter o essencial. Há sempre coisas a não esquecer. Há sempre coisas que temos de lutar, ser firmes para não deixar ir embora, para que a experiência não pareça em vão, para que o contraste seja amenizado e nos faça pessoas melhores com o que trouxemos do Caminho.
Se eu fiquei diferente? Oh sim, fiquei diferente! Há uma coisa interessante entre peregrinos: depois do Caminho andamos por aí, atentos a setas amarelas nas quais nunca tínhamos reparado, a desejar “Bom Caminho!!” a toda a gente que nos apareça à frente com uma mochila às costas e, sobretudo, vivemos com o olhar e um semblante de quem carrega consigo o mais belo dos segredos.
The Camino is something very personal … and there are certain things that I still do not know how to approach here. Some of them I don’t even know how to hold them to my memory! But I am making an effort because this was an experience I don’t want to forget. And I think that from now on I will wrote some posts here and there about subjects related to my experiences in the Camino as well as some other practical posts that complement what is already available throughout the internet. However, before this month is over (this month was dedicated to the Camino, in both its conceptual and handmade point of view as this, this and this posts can show), I would like to share with you an overview of my experience. It’s a long post so make sure you have a nice cup of tea!
When I approached the question of expectations here I was thinking … “and if nothing happens? And if I go, come back and I don’t absorb anything from the Camino? What if I do not return a pilgrim? What if I don’t even get there?”At that point I had to re-read my own post and close my mind again to expectations. Now that I’m back, I know there are two truths here. One is that no one, no one at all, walks away empty-handed. The second is that what we receive depends more on us than on anything else. Even the greatest adventure can become insignificant if we are not available to absorve it… and on the other hand, the simplest thing in the world, can leave us thrilled and be drawn with ink in our heart. For this to happen we can not simply go as we go work every day, protected with our jokes, our social strategies. As you can not carry everything in your backpack, you should not take everything with you either. Just take your senses, I do not recommend carrying anything else.
And from this perspective I can say that during the Camino, lot happen to me even though it was an absolutely normal route: I did not sleep under a starry sky because I always had a good place in the albergue (and there are many albergues available along the way), I did not have an amazing sunny summer day (we got some rain and there was a day when it rained most of the way), I could not be alone for a long time (no one makes the Camino alone), the Camino is not done completely in the middle of nature (and it doesn’t have the most beautiful landscapes I have ever seen for sure). On the other hand, I did not have a single blister all the way to Santiago and, apart from tired legs at the end of the day, I did not make any injuries that forced me to embrace the spirit of promise or sacrifice with which many pilgrims travel. And I slept very well. But then, what is that the the Camino has? Why I don’t I trade this for nothing? Why do I want to go back? Tomorrow If I could…!
And the reason is very simple: perspective. Taking the risk of some of you stopping reading right now, I assume that the tasks of a pilgrim over a day on the Camino are the following: wake up, walk, eat and sleep. More things happen, that’s for sure! But these are “the tasks.” And it seems impossible that we, the great masters of knowledge, technology, theories of everything, power, wisdom, control… suddenly realize that we have as our daily goals: awaking, walking, eating and sleeping. But, you know what? The magic begins precisely because of it.
As I wrote before, the Camino is a facilitator: in dropping everything. Neither of us is worried about anything else as long as we are hungry, thirsty, cold, sleepy, tired, and have to go to the bathroom. It is the biological priorities that make us a living being like any other. This return to basics, to contact, the evidence that we are part of nature and that we are equals between us, is a pleasant sensation, unlike you may think. It’s like going back to our mother’s belly! Essential tasks bring us the feeling of being under control of our own survival, of being autonomous, of being able, of having everything we need at our disposal as soon as we are born.
I don’t remember feeling as good as I did in those days, and yet I thought I was going to be injured with back and shoulder pain or that I would not be able to get to Santiago de Compostela. I do not remember sleeping so well for years, yes, in a room with 50 plus people. And some of them snore! I do not remember being so efficient with so little. I do not remember ever levitating having so much weight on my back. And all because the tasks that I had in front of me were simple and definite. As time passed, I was convinced that I could do it so it became peaceful.
My alarm clock was ringing at 5:30 am and I did not want to go back to sleep despite my tired legs and feet. I let myself stay there, with my eyes open, for two minutes, in the silence and in the dark. Inside me there was music with tender, comfortable chords and a simple orchestration. Then I would rise and follow the silence of the other pilgrims. The respect for those who still sleep is something very interesting. Almost everyone avoids the morning shower (taking a good shower before going to bed), everyone leaves things organized the day before, everyone is quick in the bathroom and after changing clothes, they all take their stuff and go backpacking to the common areas so they won’t bother anyone. They rarely return to the dormitory.
We used to leave around 6am, and generally, before us, usually only two or three pilgrims (who usually walk alone) had already left. It was still night for about an hour, and sometimes we walked a while in the middle of nowhere, only with the light of the lanterns to guide us. There are those who say that you risk losing part of the Camino because of leaving to early in the day… From my perspective, I think the dawns were most beautiful things that happened to me all along the Camino. As we ventured through the forest and stared up at the starry sky, we saw stars that were not there the night before… and that we won’t see again until the winter comes. The air is so clean at this time of the day, the sunrise brings a tremendous charm to all we see, it returns us temperature and it seems that we are able to feel every single sun ray touching our skin, like a caress. Wandering through the villages at dawn was one of the most beautiful everyday experiences. All the villages were like play houses. And we were like their guards, their watchmen. Like the one who takes the shift from Sandman. The light that began to flood the spaces, uncovers surprises hidden in the shadows, as if they were presents to be opened. The peace and the cold in the face contrasted with the entrance to a cafe for a hot breakfast, freshly baked bread and croissants and a first stamp on the credential that made that noise that meant “routine”.
After the sunrise, the mist still tied to the ground, delayed like someone who wants to sleep in, leaving the landscape less earthly, less harsh…
Many places, churches, convents and monasteries open at 7am. Their open doors have a greater significance because they seem to call, welcome, receive with a quiet, restrained but responsible respect for the pilgrims who passed. It is an effort that we recognized and thanked with all our hearts! I remember watching a moment of the first mass of the day from behind the protection grid of a convent. The voices of the nuns could be heard from the street and the thoughtful movement of the priest seemed to announce the miracle of light. And this moment was shared with a smile of other curious pilgrims who also became succumb to that beautiful call.
The weather was another surprise. There were no amazing sunny and hot days, though we already leave the albergues on a t-shirt, most of the days. And the rain that appeared two or three times, had a natural thing in me and with which I did not need to fight, just enjoy. Did it bother having to wear ponchos and get super hot under it? Yes, I remember that… or having your glasses foggy or wet? Some say yes… But the first drops of rain touching our foreheads have the temperature of a divine blessing and give to the woods a charm that none of us, on a rainy day, chooses to know. And the clouds pierced by the sun, especially when the rain is over, give the landscape that eternal light, perfect for painting or photographing… but especially for just enjoying.
Almost every day there is a forest or a nature reserve to cross. These are magical moments that remind us of the pedestrian hiking trails that we can find everywhere, close to home! The difference is that in that case, we’re not going to see them… we hardly know they were there! We are just passing through… and this makes us even more surprised by what we find. At dawn, the white-tailed rabbits fled on our way! The nocturnal birds chirping! The robins that dare more and come closer. The butterflies that distract us from our thoughts, the acrid smell of the fox that lives nearby and respects our journey… “This is our home,” I thought whenever I went through such a place. “And there is no place like this!” I felt full and knew right there that I am better, more me, in the middle of nature.
Along the way we join other pilgrims. “Buen Camino!” is said with such joy and is always accompanied by an accomplice smile and some interest: some pilgrims speak more, others less, some seek to know if we are ok or need something, others comment on their course. Why do not we do this more often? We get amazed by the pilgrims passing by: an Irish boy joining a group of Portuguese from Ponte de Lima, Káká that made that journey in the woods, in the middle of the night, completely alone! Vitor who wanted to accompany us in the last stage to Santiago. That embarrassed girl that we always passed and who already smiled when she heard us in the distance, approaching her.
And it was when the sun was getting high, that things lose the magic and everything to become known. At that time we usually began to approach our destiny for the day. Sometimes by 10.30 we had already finished our stage, arriving at the albergue. Now it was just waiting for the opening around … 13h !! Oh God! The first time the thought was … “Oh… seriously? We still have so much to wait for?” But the truth is that this time is a very interesting time, it runs and forces us to stop. The first thing is to land the backpack on the line that begins to form. Then you look around seeing who has already arrived and asking for someone who is missing. This is how we begin to meet people, that is how we share the first moments of rest with them. It is with them that we remember the challenges of the Camino. It is at this moment, after we have received the miracle of the world while we were walking, that it is in our hands to perform miracles. It was in these little bits that we met people: a Portuguese pilgrim coming from Porto that had already made the Camino about 20 times (and this was not his last); a Brazilian pilgrim living in Porto who has a remarkable life history; a group of six British friends who, although departing later, almost always surpassed us with an extraordinary resistance to fatigue, the weight of backpacks (which weigh twice as much as mine) and the pain (between blisters on the feet and problems in the knees, there was a bit of everything); Paul, a Canadian pilgrim on a bicycle, who was going the other way, (from Santiago to Fátima), who would then go to Lisbon where he would meet other friends and donate his bicycle to charity before returning to Canada; the couple of Mexicans who did Yoga at the end of each stage; the mid age Spanish couple who had already walked most of the Caminos to Santiago and discussed with us their opinion about their pedometer; the two Spanish boys who seemed especially reserved until they finally shared the kitchen with everyone in Padron; the Slovenian girl, a social worker working with Gypsy children, whom I met while waiting for my turn to take a shower; the group of Poles who, not knowing how to speak English, wanted to pay me the bags I bought and offered to protect the backpacks from the rain outside the albergue; a pilgrim with a prosthesis in one of his legs that was already finishing the 800km of the Camino Frances; the group of Portuguese who recommended us good places to have lunch in Santiago.
When the door of the albergue opens, we are no longer individual people. After those “ice breaker moments”, we are an organized group that cares for each other. There are no queues for nothing because each one has its own rhythm, there are no hurries or schedules and therefore there are no pressures. There is time! There is no excessive noise because there is always someone who wants to rest. We all laugh at the same jokes, we all have the same strategies to make the beds and dismantle the backpacks. And between late afternoon walks to get to know the villages, dinner, a pause to write (I promise to write a post about this theme) and stay a little chatting, we cross our day with the same people and, wherever we are, we will always find someone we know. There are pilgrims who read (usually pocket books, more than that is not a good idea), there are pilgrims who write, who draw, who write postcards and glue the stamps with mastery and calm. There are those who get lost in phone calls with family, who study the next stage of the Camino or take advantage of the wi-fi. There are volunteers who provide services such as reading or massaging the feet of the most injured pilgrims. These moments are really very special.
But at nine or ten o’clock everyone starts to gather, like a family. Just as in the morning the silence is respected. Do you know those meetings or theater sessions where someone is practically struck down by not having taken the sound off his phone? I’ve never heard a cell phone ring in the dormitory. Do you know the idea of an orchestra of people snoring around us? As incredible as it may seem, there are not so many people snoring… at least until the fatigue leads us to close our eyes. That is why the pilgrims have similar habits and schedules among themselves. The night is calm, we know little of what is going on in the world because for one or two (or even more) weeks, time is for us and for those with whom we share our Camino. The windows are almost always open or leaning against each other and the noise of the night is like a lullaby… One night I was lying on the bed looking at the window next to me waiting to fall asleep… I looked around and I was not the only one: we all look for something that will rock us like any baby in the crib.
I never woke up in the middle of the night (except when a pilgrim fell under the bed, an episode without consequences and that made us all laugh at the end!), I never had bad dreams, I never woke up anxious or with my heart beating to quickly. I slept well because there was not much that could go wrong: I was there, together with another 30 or even 50 pilgrims with exactly the same objectives, the same fears and constraints. I felt I could ask for help because I myself was absolutely available to help others. I even stopped worrying about my things because I had not taken too much, I had not even taken anything I could not replace. The only thing I cared about was my documents and the phone: the only objects of monetary value that I carried with me. What mattered was inside me… Everything else was simple and everyone had the same… On the Camino we are all the same. The rest, the backpack, began to have, as time passed, a sentimental value.
The days were spent more or less at this pace. All, with the exception of the last one. When I left the albergue in Padrón on my last night on the Camino, I looked back and thought that those experiences were over… and I was already feeling nostalgic. Of all days, the last one was the one I liked the least and I blame the fact that, from the moment I got up, I had already finished a large part of my experiences. Everything I described above was no longer repeated. This was the first glimpse of reality. The balance between this and the arrival in Santiago is very fragile.
The arrival however is something extremely special. I confess that the moment we arrive in the city is strange. That area of the city has plenty of people: among pilgrims and tourists, it is confusing to walk at the same pace. You feel a small break. But the arrival to the Praça do Obradoiro itself is not just a moment… it is the beginning of a everything that falls over us then. Sitting on the ground and stopping to see the arrival of other pilgrims can leave us as happy or happier than our own arrival. The reunion with pilgrims who were with us throughout the week makes us feel that we were forming a family. Observing the environment leaves us silent: what I liked most about the Obradoiro was the fact that it is a happy place (contrary to what I often feel when I am in the Sanctuary of Fátima, for example, where the environment is sometimes a bit heavy and I need to make an effort…). Whatever the reason that leads people there: vow, illness, nostalgia, death, sport, discovery, mission, etc, that’s a happy square where people smile when they arrive, where they hug each other where they cry… of joy an relieve! And this is so, so beautiful! It makes of Santiago de Compostela a place where you meet with the most divine thing inside you. It is happiness for the simple things. And this is visible in everything we see. I realized that even those who do not come for religious reasons to the pilgrim mass as a “banquet” of hospitality from a host who gives the best he has: the mass is light, there are smiles and the words are simple. The formalities seem more relaxed because everyone there knows that they are just that, formalities! It’s good to sit on the floor like children who hear a story. What is worth there is the movement, the aromas, the music, the rituals, the words that always touch us. And if we are fortunate enough to receive the blessing of the “bota fumeiro,” we know that the size of that censer is only a men’s attempt to represent love, and we know that it only has the size of a small portion of the size of our hearts.
The return is hard. We were fortunate to have been received in Santiago by a group of friends (the best in the world, of course) who decided to come and take us home. This aspect helped to keep for longer that dream bubble you are in when something remarkable happens to you. That’s what friends are for, isn’t it? To keep us in this bubble and show us that we can do everything, because we will never fall.
What is left from the experience is difficult to keep when we return and we see that everything, at home, stayed the same. Nothing has changed, just us. At an early stage, as one of us pointed out, it seems we are in an different reality or world. We go to sleep and the other pilgrims are missing. It seams that there are no reason to see the sunrise… returning to work seems absurd. It is the routine that brings us back to reality. And here is where the most important part comes in: selecting, reflecting, maintaining the essentials. There are always things not to be forgotten. There are always things we have to fight to not let go, so that the experience does not seem in vain, so that the contrast is softened and makes us better people with what we brought from the Camino.
Am I different after the Camino? Oh yes, I am different! There is something interesting among pilgrims: after the Camino, we walk around as usual, but we are aware of yellow arrows we had never noticed, wishing “Bom Caminho!” to all the people who cross our way on backpacks and, above all, we walk with that look and smile of those who carry the most beautiful secret in the world.
1 Comment
É só, e tudo isso 🙂
Obrigado pelo relato honesto, sem “embelezamento” para o post.
Confirmas o que suspeitava, que independente do Caminho, a viagem é sempre a mesma!
E concordo, Fátima tem um peso por vezes quase sufocante de que não gosto. Acho que em Santiago o peso da Igreja Católica não é tão vincado como em Fátima e todo o Camino é mais virado para a Pessoa e menos para Religião. Não sei…este é o meu sentimento 🙂