Camino de Santiago: no expectations.

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Já falei aqui antes sobre a pergunta “porquê?”. Mas confesso que a primeira questão que me colocaram foi “quais as tuas expectativas?”
A minha resposta foi tão honesta quanto possível: “eu não tenho expectativas.”
Em troca recebi um nariz torcido. “Como assim? Vais andar quilómetros a pé sem teres nada em mente? Não é coisa que se faça apenas por fazer… Tens de ter algo para te guiar!”

Hoje em dia há uma certa confusão entre objectivos e expectativas, é certo. Porque eu nunca disse que não tinha objectivos. Em princípio todos temos objectivos: é isso que nos faz tomar decisões em vez de ir apenas na maré. Expectativas são uma consequência de compromisso e, por isso, habituei-me a tê-las para aquilo que depende apenas do meu próprio esforço e dos que me amam como a família e amigos de coração… nunca para algo que não posso controlar. Já o fiz, e não foi bom.
Quantos de nós esperávamos que o nosso dia de aniversário fosse “aquele dia” e, em vez disso, tivemos direito a um dia chuvoso, cheio de trabalho no qual todos pareciam fazer o frete de vir dar-nos os parabéns e ainda levamos um ralhete do chefe que até estava mal disposto? E o trânsito que ficou ao fim do dia? E o bolo que ainda vamos ter de fazer ao chegar a casa? Que grande chatice…

Não quero com isto dizer que não possamos sonhar, mas exigirmos isso como “real” faz-nos ficar frustrados com qualquer outra coisa que apareça em sua substituição. Mesmo que seja igualmente boa, não é o que imaginamos… Quando procuramos muito uma coisa perdemos a noção de tudo o resto porque estamos focados apenas nela. Se o olho humano tem visão periférica, saibamos aproveitá-la quando há oportunidade para isso já que estamos, hoje em dia, em modo constante de focagem automática.

O Caminho é um desafio mental, físico, social, emocional e espiritual… Pode não ser todas estas coisas ao mesmo tempo para todos os que o fazem mas, invariavelmente, batemos de encontro a pelo menos duas ou três destas coisas.
Atracar isso a ter dias solarengos, dias de isolamento total, dias completos no meio da natureza, noites dormidas profundamente por força do cansaço, dias de mudança de vida, de fazer amigos de todo o mundo, de comer bem, de resolver relações amorosas, de resolver problemas do trabalho, de despertar, de voltar outra pessoa, de encontrarmos resposta para a nossa relação com Deus ou outras missões que tais, e sobretudo em condições tão desafiantes, é puxar a corda. É não facilitar a vida a ninguém. É não ser amigo de nós próprios. É criar frutrações numa experiência que é suposto ser vivida e não apenas cumprida.
Se o caminho é facilitador em alguma coisa é em deixar cair tudo isto. É uma questão biológica: nenhum de nós fica preocupado com o aquecimento global enquanto tiver fome, sede, frio, sono, cansaço e uma enorme vontade de ir à casa de banho. Há prioridades. Enquanto as necessidades básicas não estão supridas, nada mais importa. Está nos genes, felizmente, porque é uma questão de sobrevivência. Não podemos simplesmente escolher.

Por esta razão, eu quero ir sem expectativas. Quero ficar aberta, isso sim, ao que vier: ficarei animada se houver dias de sol; para alguém tímido como eu, poder ficar isolada alguns minutos por dia seria uma benção; seria óptimo se pudesse realmente dormir acampada perto de um charco sem o ressonar do peregrino da cama do lado ou adormecer à luz das estrelas; seria excelente vir com certezas sobre o meu futuro ou deixar os medos de parte; comeria com prazer, estaria com Deus a cada segundo e fortaleceria as minhas relações com os meus companheiros de caminho… Mas não posso controlar nenhuma destas coisas, sobretudo se estiver ocupada em gerir o cansaço, em comprar algo para comer que preencha as minha necessidades metabólicas ou a tentar encontrar um local onde pernoitar.

Ficar aberta é receber o que vier, é ficar atenta, é ver nas pequenas coisas as maiores maravilhas do mundo, é ficar emocionada com o canto de uma ave, é ter um sorriso cúmplice com outros peregrinos, é compreender outras culturas que se cruzam comigo, é estar à distância de um simples “olá” e perceber que afinal eu até preciso de falar de vez em quando (porque, sejamos sinceros, quando não há trabalho, não há ensaios, não há livros, projectos handmade, hobbies, quando há quilómetros pela frente, sem tablet, televisão, pipocas, sofá e um filme, sem internet, quando a energia e os dados são limitados e estamos rodeados das mesmas pessoas 24h por dia… nós acabamos por falar, e falamos de coisas fascinantes!). Ficar aberta é conhecer a força interior, é perceber o valor das coisas que temos, é criar espaço para filosofar sem vergonha, é receber de braços abertos, é perceber que alguém precisa da nossa mão. É conhecer para amar melhor.
Todas estas coisas podem, isso sim, levar a experiências maravilhosas e inesquecíveis… sem haver a obsessão com nenhuma que nos feche os olhos a tudo o que se passa à nossa volta.

Normalmente vivemos convencidos de que sabemos exactamente o que precisamos. A maior parte das vezes não é verdade. A maior parte das vezes o que acontece é que não nos damos o espaço para ouvir o nosso corpo e a nossa alma pedirem… E raramente o sabemos até fazermos a seguinte experiência: dar-nos um momento e ver o que o corpo e alma absorvem. É disso que temos sede.

Estas fotografias foram tiradas na albufeira do Azibo, numa das últimas caminhadas que fiz como treino para o Caminho de Santiago. These photos were taken in albufeira do Azibo, Portugal,  during one of my last hiking trails as training to the Camino de Santiago.

 

I have already wrote about the question “why?”. But I confess that the first question someone ever made me was “what are your expectations on the Camino?”
My answer was as honest as possible: “I have no expectations.”
I got a twisted nose from the person that asked. It’s ok… “How? Are you going to walk miles without having anything in mind? It’s not something you do just go for… You have to have something to guide you!”


Nowadays there is a certain confusion between goals and expectations, that’s for sure. Because I never said I had no goals. Usually we all have goals: this is what makes us take decisions instead of going in with the tide. Expectations, on the other hand are a consequence of commitment, and so I became used to having them only for what depends only on my own effort and those who love me as family and friends at heart… rather on something I can not control. I already did, and it wasn’t nice.
How many of us expected our anniversary to be “just as we imagined” and, instead we got that rainy day, full of work in which everyone seemed to make the a huge effort to congratulate us or had a bad meeting with our boss? What about the traffic at the end of the day? What about the cake we still have to make when we get home? What a mess…

I do not mean by this that we can not dream, but to think about it as “must be” makes us frustrated by anything else that appears in its place. Even though it is equally good, it is not what we have imagined… When we look for one specific thing, we lose the notion of everything else because we are focused only on it. If the human eye has peripheral vision, let us take advantage of it when there is opportunity for it, since nowadays, we seem to be in a constant mode of autofocus.

The Camino is a mental, physical, social, emotional and spiritual challenge… It may not be all these things at the same time for all who walk the Camino but, invariably, we hit against at least two or three of those things.
Think about the Camino as an amount of sunny days, days of total isolation into nature, great nights of sleep through exhaustion, life changing moments, days about making friends from all over the world, about great food, about solving romantic relationships, solving problems at work and came back to another person, clear our relationship with God, with ourselves or other types of “missions” in such challenging conditions… come on, is to be out of line! This is just not making life easier for anyone. It is not being friends with ourselves. It is to create frustration about an experience that is supposed to be lived and not just performed.
If the Camino is a facilitator in something is on dropping all this. It’s a biological issue: none of us are worried about global warming as long as you are hungry, thirsty, cold, sleepy, tired, and a huge urge to go to the bathroom. These are priorities. While basic needs are not met, nothing else matters. It’s in the genes, fortunately, because it’s a matter of survival. We can not just choose.

For this reason, I wanted to go on the Camino without expectations. On the other hand I wanted to be open, yes, to whatever comes: I will be happy if there are sunny days; for someone shy like me, being able to be isolated for a few minutes a day will be a blessing; if I could actually camping near a pond without the pilgrim’s snoring from the bed on my side and fall asleep under the starry sky it would be nice; it would also be great to come back with certainties about my future or leave the fears aside; I would eat with pleasure, I would be with God every second and strengthen my relationships with others… But I can not control any of these things, especially if I am busy managing fatigue, buying something to eat that fulfills my metabolic needs or trying to find a place to stay overnight.

To be open is to accept what comes, to be attentive, to see great stuff in the small things the, is to be moved by the song of a bird, to trade a smile with other pilgrims, to understand other cultures that cross us, is to be as distant from someone as a simple “hello”, and realize that, after all, even I need to speak from time to time (because, let’s face it, when there is no work, there are no tasks, no books, handmade projects, hobbies, no tablet, television, popcorn, sofa and movie or the internet, when energy and data are limited and we are surrounded by the same people 24 hours a day… we end up…talking! And we talk about fascinating things. Be open is knowing our inner strength, to realize the value of the things we have, to create space to philosophize without embracement, to receive with open arms and feel like we deserve it, to realize that someone needs our hand. Is to know how love better.
All these things can lead to wonderful and unforgettable experiences… and are out of any of our expectations.

Usually we live convinced that we know exactly what we need. Most of the time this is not true. Most often what happens is that we do not give ourselves the space to listen to our body and our souls to ask… And we rarely know until we do the following experience: give us a moment and see what the body and soul absorb. This is what we are thirsty for.

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