(scroll for the English version)
Ide então, meu pequeno Livro, e mostrai a toda a genteQue vos queira e acolha calorosamente,O que guardais no vosso peito encerrado;E desejo que seja, o que lhes for mostrado,Para eles bom, e os leve a escolher serPeregrinos, de longe, melhores do que o nosso ser.Falai-lhes da Misericórdia; aquela compaixãoQue bem cedo iniciou a sua peregrinação.
A epígrafe de “As Mulherzinhas” de Louisa May Alcott é uma adaptação de uma passagem da alegoria de John Bunyan (1678) chamada The Pilgrim’s Progress.
A primeira coisa em que pensamos é: porquê?
Fazer mais de uma centena de quilómetros a pé no espaço de uma semana não é para todos, não prova nada e há quem assuma compromissos, caminhos maiores. O Caminho Francês tem mais de 800km feitos geralmente no espaço de 30 dias. Há quem venha de muito longe para o fazer, quem “gaste” todas as suas férias anuais nisso e deixe a família e o conforto em troca de uma experiência. Bom, uma decisão dessas não pode ser feita só “porque sim”.
Este é o meu primeiro Caminho e, apesar de o meu sonho ser muito para além dos 122km que vou percorrer, sem grandes remorsos decidi que ia fazer, para já, no mínimo os últimos 100km do Caminho Português que vai desde a fronteira, em Valença, até Santiago de Compostela. Muito embora o número de quilómetros, o esforço e o período de resiliência envolvidos para cada caminho sejam muito diferentes, as razões que nos levam a fazê-lo podem ser igualmente nobres, fortes, decisivas.
O momento que marcou a minha decisão de fazer o caminho tem data e podia até ter hora marcada. Foi em Fevereiro, enquanto estava fora do país. Estava a ler um clássico num momento de descanso, e nada de concreto ou consciente me indiciou para isso. O certo é que houve um pensamento que passou alto na minha cabeça como um viajante sem destino trazido pela brisa que eu estava a sentir naquele preciso momento. Já antes tinha pensado em fazer O Caminho mas por diferentes razões adiei sempre esse compromisso… Desta vez era diferente: eu não tinha “pensado”, “reflectido”, “programado”. Eu apenas senti. E face ao momento, acontecimentos e estado de espírito que caracterizava os últimos tempos, eu soube no minuto seguinte: eu ia fazê-lo.
Comentei com o Carlos o que me tinha passado pela cabeça com a mesma leveza com que aquele pensamento me tocou e, como se estivesse já predestinado, ele respondeu “pronto, vamos lá!”. Confesso que, de início esta reacção tão “pronta” me surpreendeu. Normalmente tendemos sempre a ver prós, contras, partilhar vontades e definir programas antes de avançar com um “vamos lá!”. O certo é que aquele pensamento vindo sei lá de onde, o sentimento que tive de que já tinha feito uma decisão, aquela confirmação quase instantânea daquele que é o meu óbvio companheiro do Caminho, me deram a sensação de que eu não precisava de fazer mais perguntas… não queria fazer a pergunta “porquê” assim tão cedo… e deixar-me surpreender por tudo isto e, aos poucos, ver o que acontece. E o espaço de tempo entre o momento em que aquele pensamento cruzou a minha mente e a decisão não decorreram mais do que 5 minutos.
Não é uma grande história é certo. Não posso dizer que tenha sentido um chamamento, não tive nenhum sonho, ninguém me aconselhou fazê-lo nem tenho intenção de mudar por completo a minha vida. A primeira resposta no meu coração foi um simples “porque sim”, mas um “sim” com tanto compromisso que as palavras são vazias, pequenas para o definir.
O primeiro instinto foi saber mais sobre O Caminho, procurar outros peregrinos, fazer o programa, pedir alguns conselhos. A questão “porquê” parecia desviar-se de mim, não porque eu não queria o confronto mas porque essa interrogação ainda voava leve como a brisa que me tocara naquele primeiro pensamento… Ela via-me sorridente, como uma fada algo envergonhada que me seguia sem querer aproximar-se, e eu gostava de a ter por perto. Eu sabia: ela aproximar-se-ia, eu havia de conquistar a sua confiança sem a obrigar a vir ter comigo.
Entretanto, alguns meses mais tarde quando as primeiras grandes questões logísticas foram resolvidas (datas, percurso, alojamento, mochila e botas), comecei a procurar testemunhos de outros peregrinos. Desde então tenho ouvido muitas histórias sobre as razões que levaram tantos peregrinos a fazer O Caminho (não necessariamente o Português…porque qualquer caminho é sempre O Caminho), as histórias mais inspiradoras sobre acontecimentos durante O Caminho e os impactos nas suas vidas. É bem interessante!
Aos poucos, essa pequena fada foi percebendo que se podia aproximar. À data em que escrevo este post ela ainda não adormeceu no meu colo, ainda não trocamos uma palavra. Ela apenas se sentou no meu ombro e observa-me, sorri e trocamos alguns olhares cúmplices. Mas desta relação eu já a fui conhecendo um pouco melhor e já consigo perceber algumas razões da sua presença…
Go then, my little Book, and show to all
That entertain and bid thee welcome shall,
What thou dost keep close shut up in thy breast;
And wish what thou dost show them may be blest
To them for good, may make them choose to be
Pilgrims better, by far, than thee or me.
Tell them of Mercy; she is one
Who early hath her pilgrimage begun.
The epigraph to “Little Women” is Louisa May Alcott’s adaptation of a passage from John Bunyan’s 1678 allegory The Pilgrim’s Progress.
The first thing we think about is: why?
Doing more than a hundred kilometers on foot in just a week is not for everyone, it proves nothing and there are those who make bigger compromises, bigger paths. The Camino Francês has more than 800km usually done in 30 days. There are those who come from far far away to do it, those who “spend” all their annual vacations on it and leave their family and comfort in exchange for a remarkable experience. Well, such a decision can not be made “just because”.
This is my first Camino and although my dream is far beyond the 122km I am going to go, without regrets I decided that I would do, for now, at least the last 100km of the Portuguese Camino that goes from the Portuguese border in Valença, to Santiago de Compostela. Although the number of kilometers, the effort and the resilience involved for each Camino are very different, the reasons that lead us to do it can be equally noble, strong, decisive.
The moment that marked my decision to walk the Camino has a date and could even be scheduled on my agenda. It was in February while, out of the country, I was just reading a classic. The truth is that there was a thought that came very high over my head like a traveler without destiny brought by the breeze that I was feeling at that precise moment. I had previously thought of doing the Camino but, for different reasons, I had always postponed this commitment… This time it was different: I had not “thought” about it, “reflected” it, “scheduled” it. I just felt it. And regarding the moment, the recent events events and state of my mind at that time, I knew that I was going to do it.
In the next minute I talked about it with my husband Carlos as lightly as that thought touched me and, as if it were already predestined, he replied: “So, ok, here we go!” I confess: at first, this “ready to go” reaction really surprised me. We usually tend to see all the pros and cons, share wills and define programs before moving on a commitment. The thing is that that thought that came out of nowhere, the feeling that I had already made a decision, the almost instantaneous confirmation of the one who is my obvious companion of the Camino, all these gave me the feeling that I didn’t need to do any more questions… just go! I did not want to ask the question “why” so soon… and let myself be surprised by all this and gradually see what happens. What is certain is that between the moment that thought crossed my mind and the decision, no more than 5 minutes passed.
Not a great story, hem? Well, I can not say that I felt a call, I had no dream, no one advised me to do it, nor did I intend to change my life completely after that. The first reaction in my heart was a simple “go, full of commitment, so full that all the words are empty, small to define it.
My first instinct was to know more about the Camino, to look for other pilgrims, do my program, ask for some advice. The “why” question seemed to hide away from me, not because I did not want the confrontation but because that interrogation was still flying light as the breeze that had touched me at that first thought about it… It saw me smiling, like a fairy following me without wanting to get close, and I liked to have her around. I knew: she would approach, I would gain her confidence without forcing her to come to me.
A few months later, when the first major logistical issues were resolved (dates, route, accommodation, backpack and boots), I began to look for testimony from other pilgrims. Since then I have heard many stories about the reasons that led so many pilgrims to walk the Camino (not necessarily the Portuguese… because any Camino is always The Camino), the most inspiring stories about events during the Camino and the impacts on pilgrim’s lives. It’s very interesting!
Little by little, this little fairy realized that she could approach me. At the time I am writing this post she has not fallen asleep in my lap yet, we have not yet exchanged a word. She just sat on my shoulder and watched me, smiled and trade few complicit glances with me. But from this recent relationship I have already known her a little better and I can already understand some reasons for her presence…
2 Comments
Acho que os motivos são um pouco como o Caminho, um processo individual. Da minha experiência, e apesar de quase sempre associado a religião, peregrinar significa ir em busca de um encontro espiritual …que não tem necessariamente de ser com um Deus.
E concordo contigo, o “porque sim” é mais do que suficiente justificação 🙂
O “porque sim” é a força que nos move. Dependendo de como estas palavras são sentidas podem significar um “alheamento” ou serem uma justificação tão grande, holística que é difícil de expor por palavras. Eu tenho objectivos espirituais também!